O mito da visão única do cliente (Single Customer View) Alexandre Azevedo outubro 14, 2025

O mito da visão única do cliente (Single Customer View)

O mito da visão única do cliente (Single Customer View)

Durante anos, a ideia de conquistar uma visão única do cliente (Single Customer View, ou SCV) tem sido apresentada como o Santo Graal do marketing data-driven. Um painel mágico onde seria possível enxergar, em um único lugar, tudo o que se sabe sobre cada cliente: histórico de compras, interações, comportamento digital, preferências, jornada e muito mais. Mas essa promessa, embora inspiradora, é um mito ou, pelo menos, uma simplificação perigosa da realidade.

Single Customer View não é um projeto, é um processo

No mundo real, alcançar uma visão única do cliente não é uma entrega pontual. É um processo contínuo de integração, governança e adaptação de dados.
Os dados mudam o tempo todo: novos canais surgem, IDs são recriados e o comportamento do consumidor evolui mais rápido do que os modelos de dados conseguem acompanhar.

Para os líderes de marketing e dados, o desafio está em compreender que a SCV é menos um “produto final” e mais uma capacidade organizacional viva, que depende de integração entre áreas, governança e tecnologia adequada, como CDPs (Customer Data Platforms), DWHs (Data Warehouses) e sistemas de CRM.

 

O mito da visão única do cliente (Single Customer View)

O primeiro desafio: a resolução de identidade

Antes de enxergar o cliente, é preciso saber quem ele realmente é.
Esse é o problema da resolução de identidade (identity resolution), que consiste em conectar múltiplos identificadores que pertencem (ou podem pertencer) à mesma pessoa:

  • E-mails e telefones cadastrados em canais diferentes;
  • IDs de dispositivos móveis;
  • Cookies e session Ids;
  • Dados de CRM, programas de fidelidade e histórico de atendimento;
  • Interações em canais de mídia, WhatsApp, aplicativos ou site.

O desafio é que as pessoas trocam de celular, apagam cookies e usam diferentes e-mails. Em muitos casos, a correspondência é probabilística, baseada em níveis de confiança.
E se essa etapa for mal resolvida, tudo o que vem depois, como segmentação, personalização e relatórios, estará comprometido.

Onde a resolução de identidade acontece nas empresas

Nas grandes empresas brasileiras, a resolução de identidade raramente está 100% dentro do CDP.
Muitas vezes, ela ocorre a montante, em:

  • Um Data Warehouse (como BigQuery, Snowflake ou Redshift);
  • Uma camada de Master Data Management (MDM);
  • Ou uma Identity Graph corporativa.

Idealmente, essa identidade unificada deveria alimentar todas as plataformas, como marketing, vendas, atendimento e analytics. Mas na prática, o que se vê é um cenário fragmentado:

  • O CDP cria sua própria base de identidade;
  • O CRM mantém outra;
  • E o Data Warehouse ainda consolida uma terceira versão.

O resultado é a existência de três visões únicas do mesmo cliente, todas ligeiramente diferentes.

O segundo desafio: construir a visão do cliente

Mesmo depois de resolver o “quem”, ainda é preciso resolver o “o quê”. Ou seja, como construir uma visão útil e acionável do cliente.

Esse processo envolve:

  • Integrar dados de múltiplos sistemas;
  • Normalizar formatos e padronizar atributos;
  • Reconciliar valores conflitantes;
  • Montar visões específicas conforme o uso (atendimento, analytics ou marketing).

Essa visão não é um dashboard genérico. Um SCV de marketing é diferente de um SCV de atendimento ou de análise de comportamento. Cada um tem atributos, granularidade e objetivos próprios.

Em outras palavras, o Single Customer View é um conjunto de visões específicas, construídas sobre uma base de identidade e dados bem resolvida.

Onde o SCV vive dentro da empresa

A visão consolidada geralmente é construída no CDP ou na camada de ativação, que é onde os dados ganham contexto de uso: campanhas, personalizações, recomendações e automações.

O CDP consome os IDs resolvidos, mas nem sempre é responsável por essa resolução.
Seu papel é montar um perfil acionável, pronto para engajamento, com atributos e histórico de interações relevantes.

Assim, o verdadeiro SCV:

  • É construído para o uso, não para a exibição;
  • Vive no CDP ou camada de ativação, alimentado pela identidade corporativa;
  • É diferente para cada caso de uso.

Por que o mito da visão única do cliente persiste

Parte da confusão vem do marketing das próprias plataformas.
Muitos fornecedores vendem a ideia de que o CDP faz tudo sozinho, resolve identidades, unifica dados e entrega a visão perfeita.
Alguns realmente chegam perto disso, mas a maioria simplifica demais a narrativa.

A verdade é que a visão única do cliente não é um produto, é uma arquitetura.
Ela depende da maturidade de dados, da governança entre áreas e da capacidade de integração entre sistemas.

Conclusão: o valor está na visão útil, não na visão única

As empresas brasileiras que mais evoluem em dados e personalização deixaram de perseguir o “painel mágico”.
Em vez disso, constroem visões úteis, dinâmicas e acionáveis, que servem a cada objetivo de negócio.

O segredo não está em ter uma única visão de cada cliente, mas sim em usar cada visão para gerar valor real, seja no atendimento, no marketing ou na tomada de decisão estratégica.

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